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  • Foto do escritorwalter tierno

A banalização da tortura psicológica

Não preciso nem pesquisar. Tenho certeza de que o tal sincerão a que testemunhei no episódio do Big Brother Brasil do dia 19 de fevereiro deste ano foi retirado de algum manual de tortura psicológica de algum órgão de espionagem como CIA ou KGB.

Para quem não viu, os participantes viram que entes queridos escreveram cartas a eles. A elas, foram anexadas uma foto, em alguns casos, deu pra ver que tinha um bilhetinho. Em seguida, eles tinham que escolher cartas, uns dos outros, para serem trituradas. Não eram todos que escolhiam, mas a dinâmica detalhada do “jogo” nem vem ao caso. São pessoas colocadas frente a um dilema impossível e postas a torturar as outras, já que a destruição das cartinhas se dava com o conteúdo virado para as câmeras, para ampliar o simbolismo da aniquilação e a dor das pessoas que viam fotos de pais, cônjuges, filhos sendo triturados.

No final, quatro deles puderam resgatar as cartas, com as quais ficarão até o final do programa. Um tesouro conquistado sobre os demais.

Não obstante, depois disso, o trauma pós tortura. Brigas completamente sem sentido, crises de choro que demoraram a passar, retaliações, apatia. Uma moça lá chegou próximo a um surto. Teve até o clássico “torturem ele”, exatamente como aconteceu no final do livro do qual o programa emprestou o nome. Tortura, sim!

Isso tudo num país que ainda não resolveu seus séculos de escravização.

Isso tudo num país que não resolveu ainda nem os crimes cometidos durante a ditadura que acabou a poucas décadas.

Isso tudo num mundo pós pandemia, em que o aumento exponencial de consumo de antidepressivos está assustador. Em que a pauta de saúde mental tornou-se prioritária.

Nesse mundo emocionalmente abalado, coloca-se um grupo de pessoas torturando-se emocional e psicologicamente em rede nacional, horário nobre.

E ninguém está achando estranho?

Tudo bem?

Para mim, esse sim foi um limite ultrapassado que deveria acender um alerta.

Pelo visto, já estamos vendo a consequência da impunidade pela morte de 700 mil pessoas: a banalização e apatia.

O apresentador, com sorrisinho, comentava sobre a dorzinha no coração. Como se a sessão de tortura fosse uma cena de comédia romântica. Ainda estou em dúvida se ele estava a par da gravidade e querendo contemporizar para manter o emprego ou se ele ainda não percebeu o que estava apresentando.

Quem criou essa dinâmica? Psicopata, com certeza. Precisa ser acolhido.

Show de horrores. Dizem que o programa é como um tubo de ensaio. Neste caso, foi mesmo. Mas o objeto de observação não são seus participantes. É a sociedade aqui fora, que presenciou tortura e normalizou.

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